Autores:
João Cabral, Mara Ferreira
Resumo:
PRINCÍPIOS DA BLEFAROPLASTIA SUPERIOR
Introdução, Indicações, Técnica, Cuidados pós-operatórios e Complicações
Introdução
Os tecidos peri-orbitários caracterizam de forma fundamental o aspecto do rosto. E é nestes tecidos, que inicialmente se repercutem os efeitos do envelhecimento, que são, principalmente:
► a dermatocalásia (relaxamento ou laxidão da pele) por perda de elasticidade da derme (frequentemente devida a prolongada exposição solar), e por diminuição da espessura do complexo pele-orbicular, por certa atrofia do orbicular (especialmente nos 2/3 externos)
► e o prolapso de gordura orbitária, por fraqueza do septo orbitário (especialmente no 1/3 interno).
A técnica habitual para corrigir estes efeitos do envelhecimento é a Blefaroplastia.
A blefaroplastia superior é uma das cirurgias mais procuradas em oculo-plástica. Ela remove o excesso de pele da pálpebra superior, e frequentemente é acompanhada de remoção bolsas adiposas.
No entanto, sabemos que
► A prega palpebral é normal e fisiológica, e está relacionada com as características do sulco palpebral, e com o possível excesso de pele. No jovem, a prega sobrepõe-se ao sulco, mas desaparece no olhar para baixo. No idoso com dermatocalásia, a prega é grande e persiste no olhar para baixo.
► Também não esquecer que, se na posição erecta a pálpebra desce um pouco pela acção da gravidade, mas em decúbito ela pode subir um pouco, e se não tem este “excessoˮ, pode causar mau encerramento palpebral e lagoftalmo nocturno.
► Assim, não se deve remover toda a pele aparentemente em excesso, pois para um bom funcionamento palpebral é necessária alguma redundância de pele da prega palpebral.
► E nas pessoas com olhos proeminentes (como nos casos de orbitopatia tiroideia, alta miopia ou órbitas pequenas), este “redundânciaˮ deve ser maior.
► Assim, deve-se esclarecer previamente com o doente do que é o normal e fisiológico, e quais as finalidades, expectativas e possíveis resultados da cirurgia.
Mas a dermatocalásia encontram-se frequentemente associada a outras patologias da região, que terão de ser previamente avaliadas e despistadas:
► Ptose do supracílio e/ou palpebral
► Alteração da gordura orbitária retro-orbicular (ROOF) – que também atrofia com a idade, o que realça o excesso de pele, e que melhora com enchimento (lipoestrutura/fillers),
► Prolapso da glândula lacrimal, mais frequente nos idosos,
► Rebordo orbitário proeminente: alteração frequentemente assimétrica dificilmente corrigida com manipulação dos tecidos moles.
Como a blefaroplastia habitual não corrige estas patologias, teremos de associar outras técnicas para o seu tratamento apropriado. E a chave para a obtenção de um bom resultado funcional e estético, é o conhecimento de quando estas outras técnicas são necessárias.
Na observação destes doentes, devemos poder responder às seguintes questões:
► Qual é a normal anatomia e fisiologia?
► Qual é a anomalia estrutural do doente? Em que é que a sua anatomia difere do normal? Como está alterada a função?
► Qual a queixa do doente? Quais os seus objectivos (funcionais e/ou estéticos)? Qual o resultado desejado para o doente? Que potencialidades tem de o alcançar?
► Que opções temos para o realizar? Qual é o melhor plano cirúrgico?
Neste tipo de cirurgias, há que ter especialmente em conta vários aspectos:
► Deve ser feito estudo prévio da coagulação sanguínea, e eventualmente interrompida ou substituída medicação antiagregante ou anticoagulante com a devida antecedência.
► De realçar a importância do registo fotográfico pré e pós-operatório, para fins clínicos e médico-legais, se for o caso,
► Como todas as cirurgias oftalmológicas, deve ser realizada com um profundo conhecimento da anatomia e da fisiologia,
► apreciando a aparência da restante face, para que o aspecto palpebral não vá destoar do aspecto geral,
► uso do microscópio operatório, pois permite não só uma melhor identificação das estruturas
► como uma hemostase mais fácil e cuidadosa,
► procurando sempre a simetria do resultado
► Nos casos bilaterais, é útil operá-los “alternadamenteˮ, realizando cada passo nos dois lados, o que permite controlar melhor a simetria e que se vá colocando compressas com soro frio sobre a pálpebra que não está a ser operada, o que melhora significativamente a hemostase e reduz o edema.
Convém referir que Dermatocalásia e Blefarocalásia são entidades diferentes.
► A blefarocalásia é menos frequente,
► envolve uma laxidão de toda a espessura da pálpebra,
► normalmente causada por edema alérgico ou inflamatório de repetição,
► que se manifesta não só por uma dermatocalásia, mas também com prolapso de gordura, ptose, uma prega palpebral deslocada, e laxidão palpebral horizontal,
► que naturalmente é corrigida com técnicas apropriadas a cada uma das situações.
Indicações
A blefaroplastia pode ser realizada por motivos
► funcionais (o peso do excesso de pele dificulta abertura palpebral, pode reduzir o campo visual e pode levar a indução de entrópion da pálpebra superior)
► estéticos,
► para colheita de enxerto de pele
mas o aspecto funcional deve ser sempre mais importante que o estético, pela função única exercida pelas pálpebras na protecção e bom funcionamento de todo o sistema visual.
Técnica
Nesta técnica podemos considerar estes nove passos:
1- Marcação das incisões
2- Anestesia
3- Campo operatório
4- Incisão cutânea
5- Aprofundamento da incisão
6- Remoção da pele
7- Remoção de bolsa(s) adiposa(s)
8- Revisão da hemostase
9- Sutura
1- Marcação das incisões
► É uma das partes mais importantes da cirurgia.
► Depende muito da experiência pessoal e da finalidade da cirurgia.
► Deve ser realizada com o dente sentado, para que se faça sentir o efeito da gravidade.
► Há que ter em conta a idade, sexo, raça, e restante aspecto facial.
► Se possível, o desengordurar da pele facilita a marcação,
► que deve ser feita com marcador de ponta fina, para que não levante dúvidas quando a pele é distendida com anestésico (por isso, é preferível marcar apenas pontos, e não linhas).
► Tem duas fases:
- a primeira, a marcação do limite inferior (sulco palpebral)
- e a segunda, a marcação do limite superior.
Para a marcação do limite inferior, pedir ao doente para olhar lentamente para cima e para baixo para observar a que altura fica o sulco palpebral (Fig. 1). Quanto menor a idade, melhor se identifica o sulco.
Fig. 1 - Determinação do sulco
Com o doente de olhos fechados, fazer ligeira tracção superior sobre o supracílio (até que começar a abrir a fenda palpebral). Marcar o sulco (ou melhor, 1 mm abaixo dele), desde a altura do ponto lacrimal até ao canto externo, e prolongar esta linha em curva até ao rebordo orbitário. Na porção média da pálpebra, a distância do sulco ao bordo palpebral, é habitualmente de 6-8 mm nos homens e 8-10 mm nas mulheres (Fig. 2). Normalmente para o canto externo subtrai-se 1 mm e para o canto interno 2 mm. Distâncias menores na raça asiática, pela diferente inserção cutânea da aponevrose do elevador.
Fig. 2 - Marcação do sulco
Para a marcação do limite superior, com o doente de olhos fechados, traccionar ligeiramente a pele redundante, de modo que fique suspensa toda a pele em excesso, e permita marcar o contorno superior. Este deve deixar sempre 13-15 mm de pele até à zona de implantação do supracílio (para permitir movimentos independentes do supracílio e da pálpebra e não provocar lagoftalmo) (Fig. 3).
Ter em atenção que, pela depilação, o limite dos cílios pode não corresponder ao limite real do supracílio.
13-15 mm de pele pré-septal com 8 mm de pele pré-tarsal garantem 21-23 mm de pele desde o supracílio até ao bordo palpebral.
Uma boa maneira de verificar se o cálculo de pele a excisar é excessivo, pedir para franzir a testa e abrir a boca: se há abertura palpebral, falta pele.
Fig. 3 - Marcação do limite superior
As duas marcações são unidas no lado interno, acima do ponto lacrimal, e no lado externo, sobre o rebordo orbitário externo (Fig. 4).
Fig. 4 - União das marcações
A forma de unir as duas linhas, varia muito consoante a experiência pessoal e o objectivo da cirurgia. Convém não exceder o rebordo orbitário externo, pois a pele é bastante mais espessa e produz cicatrizes visíveis. Se há pele em excesso, utilizar a técnica da incisão em W ou M (Fig. 5).
Fig. 5 - União das marcações em W ou M
Mais do que à zona de pele a excisar, deve-se prestar mais atenção à pele que fica, que deve ser idêntica em ambos os lados: o conceito mais importante da blefaroplastia não é a quantidade de pele que se tira, mas a quantidade de pele que se deixa.
2- Anestesia
► Se possível, a colocação de creme anestésico 30 minutos antes da cirurgia, melhora muito o conforto operatório do doente.
► A blefaroplastia faz-se sob anestesia local (eventualmente com alguma sedação),
► usando anestésico com vasoconstritor.
A Articaína é um anestésico com pH balanceado, usado em odontologia, melhor tolerado e com efeito mais duradouro que a lidocaína, mas também com início de efeito mais tardio.
► Injectar um pouco antes de iniciar a cirurgia, para ter mais efeito vaso-constritor.
► Injectar lentamente sob a pele a excisar (não injectar em excesso para não deformar os restantes tecidos).
► Não injectar no músculo orbicular para não provocar hematomas (e dificultar a identificação das estruturas e prolongar o pós-operatório).
► Massagem ligeira para facilitar a difusão do anestésico.
► Há quem prefira anestesiar antes da marcação, porque a infiltração, ao distender e tensar a pele, facilita o cálculo da pele em excesso.
3- Campo operatório
► Usar de preferência um campo operatório grande, que permita a visualização de toda a face, permitindo melhor noção do seu aspecto geral e da simetria.
► Ter cuidado na colocação do campo operatório, pois se for de adesivo autocolante, deve ficar a certa distância da zona peri-ocular, para não provocar tracção sobre os tecidos e dificultar a determinação da zona de pele excisar.
► Deve ser colocado protector de globo ocular.
4- Incisão cutânea
► Antes de começar a incisão, é prudente voltar a confirmar os limites do traçado (régua / compasso).
► Pode ser útil estabilizar a pálpebra com um ponto de seda 4-0 sobre o bordo palpebral, para manter a pele esticada.
► A incisão segundo a demarcação prévia pode ser feita com
- lâmina fria (melhor e mais rápida cicatrização, melhor resultado estético)
- canivete eléctrico (com ponta de Colorado) (Fig. 6)
- LASER de CO2
Fig. 6 - Incisão cutânea
5- Aprofundamento da incisão (opcional)
► Se se pretende fazer a excisão do músculo orbicular,
► com canivete eléctrico secciona-se e faz-se a hemostase do músculo orbicular,
► segundo o desenho da incisão cutânea,
► até ao septo orbitário.
► É fácil fazer a identificação destes tecidos com o uso do microscópio, pois o músculo orbicular tem cor rosada e o septo é de cor branca.
6- Remoção da pele (e orbicular, se for o caso)
► Faz-se a remoção da pele (e orbicular, se for o caso) (Fig. 7), dissecando com canivete eléctrico (com hemostase), lâmina, tesoura ou LASER CO2
► de uma extremidade a outra
► manter o septo íntegro, que constitui um plano avascular
► não lesar a aponevrose do elevador
► Deve-se Manter o orbicular em casos de
- perturbações neuro-musculares
- olho seco (a excisão de orbicular, principalmente a porção mais externa, pode afectar a inervação do músculo restante)
- ou quando se pretende manter mais volume palpebral, que dá um aspecto mais "juvenil" (a perda de volume periocular é um dos sinais de envelhecimento)
► Deve-se Remover o orbicular se se pretende
- refazer ou reposicionar o sulco palpebral (como nos casos de assimetria), pois há necessidade de chegar à aponevrose do elevador (nestes casos, não é necessário remover muita pele).
- quando remoção de bolsas adiposas (?)
Fig. 7 - Excisão de pele e orbicular
► Ao excisar orbicular provocam-se novas aderências entre as várias camadas da pálpebra, que a podem estabilizar, ou pelo contrário, elevar o sulco palpebral, também sinal de envelhecimento.
► A remoção da pele e orbicular, pode ser realizada em bloco num só passo, ou em dois passos, primeiro só pele e depois só orbicular; neste caso, há melhor controlo da porção de orbicular a excisar.
► Pode ser útil, no início, guardar a pele removida enrolando-a numa compressa húmida ou gaze gorda, e colocando-a num recipiente estéril no frigorífico, onde pode permanecer 3 dias, para o caso de se ter excisado demasiada pele, e seja conveniente repor alguma parte, no caso de lagoftalmo marcado.
7- Remoção de bolsa(s) adiposa(s) (opcional)
► Se se pretende fazer a remoção de bolsas adiposas, abre-se o septo orbitário, no limite superior e interno da zona de pele removida, pois é aí onde mais facilmente prolapsa.
► Fazer ligeira pressão sobre a pálpebra inferior e globo ocular, e deixa-se prolapsar a gordura pré-aponevrótica da bolsa supero interna (mais clara) em excesso.
► Deve ser feita a coagulação dos seus vasos sanguíneos (Fig. 8) (eventualmente clampando com um mosquito).
► Remover só a gordura prolapsada para fora do septo orbitário.
► Remover a quantidade prevista no plano operatório, para obter a simetria, e não nos regularmos muito pelo aspecto intra-operatório, que ao estar em decúbito, anestesiado e sem protecção cutânea, altera a normal anatomia.
► Não traccionar demasiado, pois a gordura orbitária anterior supero interna, mais compacta, está mais aderente à gordura orbitária posterior, e a sua tracção pode comprometer a circulação dos vasos oftálmicos e ciliares (cuja lesão pode provocar perda visual permanente).
► Como a gordura orbitária supero interna é mais inervada, e pode ser necessária uma infiltração da zona com anestésico, de preferência sem vasoconstritor, para não provocar vasoconstrição pós-septal, que pode ter efeito isquémico.
► Procurar manter a gordura da bolsa central (mais amarela, por ter mais carotenos, e menos compacta).
► Actualmente, está-se a remover menos quantidade de gordura, pois é provável que venha a fazer falta pela atrofia gorda que se dá com o passar dos anos e que leva à formação de um sulco palpebral profundo.
► Não há necessidade de suturar o septo orbitário.
Fig. 8 - Excisão de bolsa adiposa
8- Revisão da hemostase
Antes de começar o encerramento, há que fazer uma hemostase meticulosa.
9- Sutura
► O encerramento cutâneo pode ser feito com uma sutura com nylon ou prolene 6-0.
► Como habitualmente não há manipulação da aponevrose do elevador, não há necessidade de refazer o sulco, e podemos fazer uma sutura contínua de pele e orbicular ou unicamente da pele.
► Se se pretende mudar a posição prévia do sulco, fazer pontos separados (pele-aponevrose-pele).
► Se já houver uma desinserção da aponevrose do elevador (prévia ou iatrogénica), esta deve ser reparada.
► Evitar suturas intradérmicas, pois não só é tecnicamente difícil de fazer (por a derme ser muito fina), como pode ser difícil de retirar (pois os tecidos são muito laxos e muito deformáveis pela tracção, que pode provocar uma deiscência da sutura, e não produz uma cicatriz melhor que a sutura clássica.
► Antes de terminar a cirurgia, deve-se confirmar a simetria do resultado.
Fig. 9 - Sutura
Cuidados pós-operatórios
► Como muitas das cirurgias palpebrais, pode surgir edema moderado no pós-operatório imediato, que alivia com a aplicação de gelo nos dois primeiros dias e cabeceira elevada.
► Não deve ser aplicado penso nas primeiras horas do pós-operatório (apenas compressas frias ou gelo) para poder verificar a existências de complicações.
► Depois de assegurar que não há complicações imediatas, o doente deve ser avisado das possíveis complicações e pode sair com penso não compressivo (pois pode dificultar circulação orbitária e dissimular problemas subjacentes), que é retirado ao chegar a casa,
► e deve ser observado, se possível, no dia seguinte.
► As suturas podem ser removidas após 5-7 dias.
Complicações
Apesar de poder parecer uma cirurgia simples, a blefaroplastia não é uma cirurgia isenta de complicações.
► A principal complicação, a hemorragia orbitária, felizmente rara, e praticamente só ocorre
- quando há abertura do septo orbitário e remoção de gordura, cujos vasos não foram devidamente cauterizados,
- ou quando o doente ainda está sob acção anticoagulante ou antiagregante plaquetário.
Deve ser suspeitada se houver baixa da visão, midríase e alteração do reflexo pupilar, proptose, etc., e deve ser tratada com urgência, pois se não o é, pode levar à baixa de visão definitiva.
► Outra complicação é a assimetria, especialmente se se trata de uma cirurgia com fim estético. A melhor maneira de a evitar é o cuidadoso método de marcação das incisões.
► A hipercorrecção e o lagoftalmo podem ocorrer se não se respeitam os limites mínimos das regras de marcação.
► A ptose pode-se manifestar se não foi diagnosticada previamente e corrigida na cirurgia, ou ser iatrogénica por lesão da aponevrose.
► A complicação mais difícil de resolver é a não correspondência da espectativa subjectiva do doente e o resultado objectivo obtido, por vezes, por não ter sido devidamente informado antes da cirurgia.
Biografia
Fernández, NT et al. Cirugía palpebral y periocular. Sociedad Española de Oftalmología, 2009.
Nerad, JA. Techniques in ophthalmic plastic surgery. A personal tutorial. Saunders-Elsevier, 2010.
Collin, JRO. A manual of systematic eyelid surgery. Elsevier. 3 Ed., 2006
Tse, DT. Color Atlas of oculoplastic surgery. Wolters Kluwer - Lippincott Williams & wilkins. 2 Ed., 2011.
Apresentado:
no curso de Órbita, Oncologia e Óculo-Plástica do 60º Congresso da SPO, em Vilamoura, Dezembro de 2017.