Autores:
João Cabral, Mara Ferreira
Resumo:
Tradução em português do capítulo do
Manual of Ophthalmic Plastic and Reconstructive Surgery
da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, Outubro de 2016
Reconstrução da pálpebra superior
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Introdução
A região periocular é uma região única e complexa, com muitas e importantes particularidades anatómicas, funcionais e estéticas, que podem facilmente ser afectadas e distorcidas por tumores, traumatismos e outras causas. Esta região periocular é dividida em unidades estético funcionais, entre as quais se encontra a pálpebra superior. Ao falar em reconstrução da pálpebra superior, normalmente está-se a pensar no complemento de uma cirurgia oncológica, em que é removido um tumor maligno, com as respectivas margens de segurança, ou em patologia traumática, situações em que é necessário reconstruir um defeito tecidular. Menos frequentemente, pode haver outras patologias que provoquem defeito palpebral: necrose ou retracção cicatricial pós infecção, radioterapia, queimaduras térmicas e colobomas. Em qualquer destas situações, podem surgir consequências visuais e estéticas, mais ou menos graves. Independente da causa, a abordagem destes defeitos processa-se dentro dos mesmos moldes.
Não se pode esquecer a ordem de prioridades neste tipo de cirurgias: primeiro, no caso de se tratar de patologia oncológica maligna, há que garantir a excisão completa do tumor; em segundo lugar preservar a função protectora palpebral, mantendo uma pálpebra estável, com boa mobilidade, sem causar danos ao globo ocular; finalmente conseguir um bom resultado estético. Tudo isto é um grande desafio.1-5
Assim, o objectivo da reconstrução é restabelecer a normal anatomia e função. Naturalmente que para isto, é indispensável um perfeito conhecimento da anatomia e da fisiologia palpebral, ocular, lacrimal e orbitária, bem como um conhecimento profundo das técnicas de reconstrução, sem os quais não é possível obter um resultado minimamente aceitável, do ponto de vista anátomo-funcional, e de conforto para o doente.
Para isso, as pálpebras necessitam de ser revestidas interiormente pela conjuntiva, membrana mucosa indispensável para manter uma boa lubrificação ocular e impedir irritação da córnea. O suporte rígido fornecido pelo tarso é essencial para manter a forma palpebral, mas de modo a não impedir os seus movimentos verticais. Uma margem palpebral estável é necessária para manter as pestanas e a pele de modo a não irritar a córnea, e permitir uma boa função lacrimal, tanto lipídica como aquosa. Uma correcta fixação dos cantos interno e externo é imprescindível para manter a forma e posição palpebral adjacente à superfície ocular. Os tendões cantais também formam o suporte estrutural do músculo orbicular, responsável pela oclusão palpebral, requerida para uma boa protecção ocular; o músculo elevador da pálpebra superior é o principal meio de conseguir uma boa abertura, indispensável para ter um bom campo visual. Finalmente a pele superficial deve ser suficientemente fina e redundante para permitir um pestanejo fácil e sem esforço. Esta pele da pálpebra, principalmente pela sua escassa derme, é a pele mais fina do organismo. Esta característica permite uma rápida cicatrização de feridas, mas também cria a dificuldade de encontrar no organismo zonas dadoras de pele com características semelhantes de cor, textura e espessura.
Considerando estas características singulares das pálpebras, pode deduzir-se a importância dos múltiplos cuidados a ter na reconstrução dos seus defeitos. Há que procurar repará-los, sem provocar outras situações por si também nocivas para a boa saúde do globo ocular. Para isso, deve-se procurar uma solução que tire, primeiro, partido dos tecidos palpebrais residuais, antes de pensar em procurar substitutos.4,6,7
Habitualmente os doentes com lesões nos bordos palpebrais, que normalmente dão defeitos de espessura total, procuram inicialmente o oftalmologista, enquanto que os que têm lesões noutros locais que não o bordo palpebral, e que podem corresponder a defeitos de espessura parcial (de lamela anterior), procuram normalmente um dermatologista. Nestes últimos casos a margem palpebral não está envolvida por tumor, mas a reconstrução pode afectá-la, com as consequentes repercussões na anatomia e fisiologia ocular e periocular.7 Assim, todo o tipo de reconstrução que possa afectar directa ou indirectamente as pálpebras, deve ser feita por um oftalmologista, conhecedor da anátomo-fisiologia ocular.
Antes de se pensar na reconstrução, é necessário fazer uma avaliação completa das estruturas envolvidas (especialmente no caso dos traumatismos): há que determinar a integridade dos cinco componentes básicos das pálpebras: lamela anterior (pele e músculo orbicular), lamela posterior (tarso e conjuntiva), tendões cantais (interno e externo), canalículos e músculo elevador da pálpebra superior.
Mais do que ter presente as técnicas descritas em vários livros, o mais importante é ter conceitos claros sobre reconstrução palpebral em geral, e só assim, poder decidir qual a técnica mais indicada em cada caso.1,2,6
Na reconstrução óculo-facial, o tamanho importa, mas a localização é mais importante. O tipo de reconstrução a realizar, vai depender também do tipo, configuração e profundidade do defeito produzido, além de ter em conta a idade do doente e o estado da pele vizinha, bem como dos conhecimentos do cirurgião. E isto porque, para corrigir um mesmo defeito, felizmente, há numerosas técnicas e possíveis variações. Em todas estas técnicas cirúrgicas, é conveniente usar um protector ocular, bem como o microscópio operatório, para boa identificação das estruturas.
De um modo geral, pode-se dizer que os pequenos defeitos da lamela anterior, podem-se corrigir com encerramento directo, com ou sem desbridamento adjacente; defeitos maiores podem requerer retalhos miocutâneos ou enxertos livres; grandes defeitos habitualmente necessitam de grandes retalhos de avanço ou rotação, ou grandes enxertos. Os retalhos miocutâneos têm várias vantagens relativamente aos enxertos livres de pele, como se verá mais adiante.
A visibilidade das cicatrizes depende de três factores: da tensão superficial dos tecidos, da qualidade dos tecidos que se usam para encerrar o defeito, e da localização das incisões cutâneas.
Para minimizar a tensão de uma ferida, é importante ter presente as linhas de relaxamento cutâneo (Fig. 1), que indicam a direcção de menor tensão numa pele relaxada. As incisões paralelas a estas linhas produzem a menor tensão possível. As linhas perpendiculares a estas linhas de relaxamento, são as linhas de maior distensibilidade tecidular. Garantindo que não se induz tensão na margem palpebral, excisões fusiformes paralelas às linhas de relaxamento cutâneo, simultaneamente fornecem a máxima distensibilidade tecidular para encerramento da ferida, e a mínima tensão ao encerrar, produzindo a melhor cicatrização. Na região periocular, para que os tecidos se aproximem sem tensão, pode haver necessidade de desbridamento e de suturas de ancoragem profunda.
Fig. 1 - Linhas de relaxamento cutâneo periocular
A qualidade dos tecidos é também importante para a dissimulação das cicatrizes: quanto mais parecida for a textura e a espessura, menores as diferenças entre os tecidos aproximados.
Por fim, as incisões são mais camufladas se colocadas em sulcos ou rugas naturais da pele, ou em junções de unidades estéticas, por ser normal encontrar essas linhas. Se estas linhas não forem espontaneamente visíveis, o que é frequente nos mais jovens, para as destacar, pedir ao doente para rir ou fechar os olhos com força. Se não é possível obter esta localização, procurar fazer cicatrizes curvas, pois são menos visíveis e menos retrácteis que as rectilíneas. Quando possível, escolher cicatrizes afastadas da zona central da face, que é a mais visível.
Os tecidos subcutâneos e músculos, devem ser suturados com pontos simples de linha reabsorvível, e a pele também com pontos simples, para permitir melhor alinhamento e melhor eversão dos bordos da ferida.1,2,5
Defeitos da espessura total da pálpebra, até 1/3 do seu bordo livre, podem reparar-se facilmente com encerramento directo, como na técnica de encerramento de ferida transfixiva do bordo palpebral. Pequenos defeitos do canto externo, podem-se corrigir com uma técnica de cantoplastia, cantopexia ou tira tarsal. Os defeitos do canto interno são de reparação mais difícil devido à presença do sistema de drenagem lacrimal. Se a aproximação dos bordos palpebrais provoca uma grande tensão, o que frequentemente ocorre com defeitos maiores de 1/3, será necessária uma cantotomia e cantolise para permitir o deslizamento da porção lateral da pálpebra. Grandes defeitos de espessura total, requerem técnicas especiais de encerramento, como a técnica de Cutler-Beard.1,4
Reconstrução da lamela anterior
Os defeitos de lamela anterior ou de espessura parcial, correspondem aos defeitos de pele e músculo, sem atingimento da lamela posterior. Para o seu tratamento há várias possibilidades, que dependem da localização e extensão do defeito, e da qualidade e elasticidade da pele vizinha, muitas vezes relacionada com a idade do doente. Assim, quando se pensa em como encerrar um defeito, há que ver se se pode encerrar directamente; se tal não for possível, há que fazer um desbridamento dos tecidos vivinhos; se mesmo assim não for suficiente, há que determinar a existência de áreas vizinhas de relativa laxidão (“reservatórios de peleˮ) que possam constituir um retalho; como últimas alternativas, temos ainda a possibilidade dos enxertos de pele, ou do encerramento por segunda intenção (granulação). Por vezes estas técnicas são usadas de forma combinada.
Encerramento por segunda intenção - granulação
Alguns defeitos perioculares podem ser deixados a granular, com bons resultados funcionais e estéticos. É o caso das feridas em superfícies côncavas, como acontece do canto interno. Na prática, só se usa este método para feridas inferiores a 1 cm de diâmetro, pois este tipo de encerramento provoca grande retracção, com possibilidade de provocar um ectrópion cicatricial. Também exige a realização de penso diário, durante semanas, o que pode não ser possível nalguns casos.
Encerramento directo
A melhor opção para reconstruir os pequenos defeitos de espessura parcial é o encerramento directo, topo-a-topo, que pode ser facilmente realizado se há pele redundante adjacente ao defeito, o que frequentemente ocorre nas pessoas mais idosas, mas não naquelas que foram expostas longo tempo à irradiação solar ou a radioterapia. O encerramento do defeito deve ser orientado de tal forma que induza pouca distorção dos tecidos perioculares e palpebrais, e que a cicatriz fique o mais camuflada possível, usando para isso as pregas cutâneas, as rugas e as linhas de relaxamento da pele da zona. Por vezes, é necessário excisar alguma pele redundante vizinha, para converter o defeito em forma fusiforme e facilitar o encerramento.
Uma vez que os tecidos adjacentes se movem perpendicularmente ao longo do eixo do defeito fusiforme, a tracção é máxima quando a elipse é paralela à margem palpebral. Se de modo geral se deve procurar obter cicatrizes horizontais e não verticais, no caso de o defeito se encontrar perto do bordo palpebral, para não induzir a sua retracção, deve ser encerrado verticalmente, para que as forças de tracção sejam horizontais e não verticais (Fig. 2). A: Nos cantos interno e externo, as elipses segundo as linhas de relaxamento reduzem as tensões nos cantos. B: Pequenas elipses paralelas ao bordo palpebral frequentemente podem ser encerradas com tensão aceitável. C: As elipses perto do bordo palpebral, quando perpendiculares (com vector de tensão paralelo ao bordo palpebral), induzem distorção mínima do bordo. D: Colocando as suturas paralelas ao bordo palpebral (setas), pode-se atenuar tracção de defeitos não paralelos. E: Curvando as extremidades da elipse para se tornarem perpendiculares ao bordo (como na plastia em S), também diminui a tracção. F: Nas elipses no supracílio, devem ser aproximados os bordos superiores entre si, bem como os inferiores, mantendo a dimensão vertical do supracílio.
Fig. 2 - Encerramento directo topo-a-topo de defeitos fusiformes.
Encerramento directo com desbridamento
O encerramento directo com desbridamento é usualmente usado na correcção de defeitos miocutâneos afastados do bordo palpebral. O desbridamento deve ser feito em diferentes planos, de acordo com a localização: se para dentro do rebordo orbitário, devemos desbridar no plano pré-septal; para fora do rebordo orbitário, o desbridamento deve ser no plano sub-cutâneo. Aqui há que ter cuidado entre a zona pré auricular e a cauda do supracílio, pela passagem do nervo facial, que é superficial e cruza a arcada zigomática. Na região frontal, devemos desbridar entre o espesso tecido celular sub-cutâneo e a aponevrose do frontal.
O desbridamento deve ser o suficiente para reduzir a tensão de encerramento. Pode ser necessário usar suturas de ancoragem profunda ao periósteo do rebordo orbitário para que a tensão se faça na profundidade e não nos planos superficiais.
As suturas da pele, quando não estão sob tensão, podem ser feitas com pontos simples, que permitem maior alinhamento e eversão dos bordos. As suturas contínuas podem ser usadas nos locais em que se prevê que a cicatriz coincida com um sulco natural da pele.1
Tecnicamente, o encerramento com desbridamento pode ser considerado como encerramento com pequenos retalhos de deslizamento (Fig. 3).
Retalhos miocutâneos
Na pálpebra superior, pela frequente existência de pele redundante, pequenos defeitos fusiformes podem ser encerados por sutura topo-a-topo sem grande dificuldade, e com bons resultados estéticos.
Para reparar defeitos maiores de lamela anterior, a melhor opção é o avanço ou rotação de um retalho miocutâneo obtido das zonas vizinhas. Os retalhos miocutâneos da área periocular são formados pela pele e músculo orbicular, desbridados no plano septal, e avançados ou rodados para o defeito de lamela anterior.
Têm muitas vantagens em relação aos enxertos livres, pois são formados por tecidos locais, com maior semelhança de cor e textura, mantendo a vascularização e a enervação original, e por isso, podendo ser colocados sob leitos com pouca ou nenhuma vascularização, como o osso ou enxertos.
É útil, ao criar um retalho miocutâneo, escolher os sulcos cutâneos naturais para dissimular as cicatrizes, desenhá-lo de forma hipercorrigida, de modo a obter a menor tensão possível no encerramento (usando se necessário pontos de ancoragem profunda), e a compensar a retracção cicatricial ulterior.1
Sempre que possível, os retalhos devem ter base inferior, para evitar o edema linfático crónico, por dificuldade de drenagem. Se os retalhos tiverem de ser de base superior, procurar limitar a profundidade e o desbridamento para evitar esta complicação (Fig. 7). Mas o mais importante é desenhar retalhos que evitem tensão na margem livre da pálpebra e noutras estruturas superficiais. Antes de fazer qualquer incisão na pele, avaliar sempre as tensões resultantes do deslocamento do retalho para o defeito primário, para saber como pode ser corrigido o defeito secundário.
Podem-se desenhar muitos tipos de retalhos. Os mais usados na pálpebra superior são:2
- Retalho de deslizamento: quando a pele que circunda o defeito de forma elipsóide, depois de desbridada, é uniformemente repuxada de todas as direcções para encerrar o defeito (Fig. 3);
A
B
Fig. 3 - Retalho miocutâneo de deslizamento.
A: Tumor (CBC) com margens de excisão (violeta) e margens de desbridamento (vermelho).
B: Aspecto passados 5 meses.
- Retalho de avanço: quando a pele vizinha se disseca e avança no seu próprio eixo longitudinal para encerrar o defeito; pode ser em L, em U e em H ou duplo U (Fig. 4) ou em V-Y (Fig. 12);
Fig. 4 - Retalhos miocutâneos de avanço.
A: Começar pela incisão do ramo superior do retalho (linha a cheio), que é frequentemente adequado em zonas de pele laxa, formando um retalho em L. Para maior mobilidade, o ramo inferior pode também ser cortado, formando um retalho em U.
B: Em caso de necessidade, acrescentar outro retalho um U oposto, formando o retalho em H.
- Retalho de rotação: quando a pele vizinha dissecada é levantada e rodada sobre si própria para cobrir o defeito (Fig. 5);
Fig. 5 - Retalhos miocutâneos de rotação.
A: De rotação simples, que pode ser completado por outro oposto, formando um retalho A-T.
B: Duplo retalho de rotação O-Z.
- Retalho de transposição: quando a pele que cobre o defeito não lhe é directamente adjacente. É o caso do retalho de glabela (Fig. 13).
- Retalho romboidal de Limberg: tipo de retalho de transposição que preenche um defeito romboidal com um retalho triangular, que ao rodar adquire uma forma romboidal. É muito usado na região periocular (Fig. 6). Criar um defeito primário romboidal formado por dois triângulos equiláteros com bases adjacentes. O retalho tem a forma de um destes triângulos, com um lado na linha que separa os dois triângulos do defeito primário. O defeito primário não tem que ser exactamente romboidal, pois o retalho pode adquirir muitas formas (circular, ovalar, triangular, etc.). Quando perto do bordo palpebral, as linhas de tensão máxima (a verde na fig. 6A), devem ser paralelas às linhas de relaxamento cutâneo e ao bordo palpebral, para evitar o ectrópion.
A
B
C
Fig. 6 - Retalhos miocutâneos de transposição - retalho romboidal de Limberg
A: Desenho dos retalhos.
B: Tumor recidivado (CBC) do canto interno e desenho do retalho romboidal.
C: Aspecto após 2 meses.
- Retalho bilobulado: Originalmente descrito com dois lóbulos, que formam um ângulo com o mesmo pedículo de pele, pode ter mais lóbulos, de tamanho decrescente. Os lóbulos proximal e distal devem ter a mesma altura que o defeito, mas 20-40% mais estreitos que o defeito adjacente a cobrir (Fig. 7). O primeiro retalho cobre o defeito primário (DP), o segundo retalho cobre o defeito secundário (DS), etc., sendo o último defeito encerrado topo-a-topo. O ângulo pode variar entre 30 e 120º, e deve aproveitar as zonas de laxidão cutânea e seguir as linhas de relaxamento cutâneo.
Fig. 7 - Retalho miocutâneo bilobulado.
- Retalho pediculado em ilha: quando o aporte vascular é fornecido por um pedículo, por vezes formado unicamente por músculo, e quando é transposto sob uma ponte cutânea. Deve ter tamanho inferior ao defeito a cobrir. O defeito criado pode ser encerrado directamente ou com outro retalho ou enxerto (Fig. 8).
A
B
Fig. 8 - Retalho pediculado em ilha.
A: Defeito primário e formação do retalho, aproveitando o excesso de pele do centro da pálpebra superior.
B: Encerramento.
- Retalho bipediculado: quando é formado por dois pedículos (Fig. 14).
Enxertos livres de pele
Os enxertos livres de pele são colhidos de uma zona dadora, e transpostos para cobrimento de um defeito de lamela anterior. O aporte vascular é dado pelo tecido do leito da zona receptora. Podem ser usados isoladamente, ou em combinação com outras técnicas reconstrutivas.
Habitualmente, para defeitos da pálpebra superior, são usados enxertos de pele total, constituídos por todas as camadas da epiderme e derme, com todos os seus anexos. Assim, há que procurar para zona dadora uma pele sem pêlos. Os locais mais habituais são: pele da pálpebra superior contra lateral (se esta se encontrar redundante, é a melhor pele para a pálpebra superior), pele retro-auricular, pré-auricular, supra-clavicular ou da face interna do braço. Sempre que possível, a zona dadora deve ter a mesma cor, textura e espessura que a zona receptora. A vitalidade do enxerto de pele total depende da qualidade em aporte vascular da zona receptora (não pega bem sobre o osso). O enxerto habitualmente fica negro ao fim da primeira semana, mas passadas algumas semanas, retoma a sua coloração normal. É previsível que ocorra uma pequena retracção (menor do que nos enxertos de pele fina).
Os enxertos de pele fina raramente são usados na reconstrução palpebral. As suas grandes vantagens são que pode ser colhido em grandes quantidades (não há necessidade de encerramento da zona dadora, pois fica com a camada profunda da derme, que cicatriza por segunda intenção em semanas), e que pega bem sobre o osso (especialmente o esponjoso), aspectos pouco presentes em reconstrução palpebral. Para a sua colheita é necessário um dermátomo ou uma faca de enxertos. A cor, textura e a espessura dificilmente se adaptam à pele das pálpebras. Por tudo isto, só são usados nos grandes defeitos miocutâneos, em que não há possibilidade de encerramento com a realização de retalhos miocutâneos ou com enxertos de pele total.1,2
Reconstrução de defeitos de espessura total
Para a reconstrução de defeitos de espessura total, há várias possibilidades, consoante a localização e extensão, desde o encerramento directo, sem ou com desbridamento, ou com recurso a retalhos miocutâneos ou a enxertos livres de tarso ou cartilagem. Apesar de se poderem indicar várias técnicas consoante o defeito causado, a grande decisão é feita no momento operatório, ao constatar a elasticidade efectiva dos tecidos vizinhos. Assim, é preferível ver primeiro se é possível fazer um encerramento directo. Se este deixa a pálpebra superior muito tensa, será necessário fazer uma cantotomia e uma cantolise. Se ainda não for suficiente, realizar um retalho de rotação de Tenzel invertido. Se o defeito envolve a maior parte da pálpebra superior, pensar à partida num enxerto de lamela posterior e retalho de lamela anterior (bipediculado ou de avanço) e enxerto livre de pele, ou mesmo a técnica de Cutler-Beard.
Muitas destas técnicas são análogas às usadas na reconstrução da pálpebra inferior. Mas em qualquer caso, pelas particularidades funcionais da pálpebra superior, só é recomendável fazer reconstrução da pálpebra superior quem tiver boa experiência de reconstrução de vários tipos e tamanhos de defeitos da pálpebra inferior.
Para a reconstrução dos defeitos do bordo palpebral, é necessário o rigoroso alinhamento das suas estruturas. Os pontos de tensão devem ser feitos no tarso, e os pontos do bordo devem induzir a sua eversão, para que depois de completa a cicatrização, não surja uma depressão localizada do bordo, com as possíveis consequências na fisiologia lacrimal (naturalmente que este aspecto é mais importante quando a reparação é da pálpebra inferior).1
De um modo geral, podemos dizer que a indicação da técnica varia de acordo com a extensão horizontal do defeito:
1- até 1/3: encerramento directo s/ ou c/ cantotomia e cantolise;
2- até 1/2: retalho semi circular;
3- mais de 1/2: técnicas especiais.
No entanto, esta orientação não é rígida: para uma correcta indicação, para além do tamanho, temos que ter em conta a idade do doente, o estado da pele vizinha (elasticidade, cicatrizes, pregas, rugas, etc.), e o estado da visão deste e do olho adelfo.5
1- Até 1/3 do comprimento da pálpebra:
Encerramento directo da margem palpebral
Normalmente, é possível realizar um encerramento directo do defeito de espessura total quando a sua extensão é menor de 1/3 do comprimento palpebral total. O procedimento é semelhante ao usado na pálpebra inferior, com as diferenças de que, para permitir o normal funcionamento da fácil abertura e encerramento palpebral, a pálpebra superior não suporta tanto as tensões como a pálpebra inferior; e, por ter um tarso mais alto, lembrar que as incisões perpendiculares ao bordo palpebral, devem ser realizadas em toda a altura do tarso (formando um pentágono grande), pois, se assim não for, corre-se o risco de não termos um correcto contorno palpebral (Fig. 9).
Habitualmente dão-se 2 pontos no bordo palpebral (à frente e atrás da linha cinzenta, podendo-se usar como marcas as linhas de implantação dos cílios e dos orifício das glândulas de Meibömio) com seda 5 ou 6-0, para alinhar os bordos palpebrais. Para estes pontos, entrar e sair a cerca de 1,5-2,0 mm do limite do bordo palpebral, para que, quando mais tarde se apertar o ponto, se consiga uma boa eversão dos bordos da ferida. Pode ser útil passar os dois pontos com as duas metades do fio de sutura, e traccionar cada uma em sentido oposto, para aproximar e alinhar os bordos palpebrais, e assim confirmar a possibilidade de encerramento directo, e avaliar a tensão com que ficam os tecidos (Fig. 9-B). Também facilita antes de atar estes dois pontos, passar e atar os 3-4 pontos de sutura reabsorvível 5 ou 6-0, que vão unir as duas partes do tarso (em maior número que os clássicos 2-3 pontos que se dão no tarso inferior). Há que estar seguro que se apanha porção significativa do tarso (são estes os pontos que vão dar a tensão à pálpebra), mas evitar que os pontos envolvam a conjuntiva, para não lesar a córnea (Fig. 9-C). Se não foi afectada, não há necessidade de intervir na aponevrose do levantador. Atar depois os dois pontos de seda no bordo, deixá-los com as linhas um pouco compridas, para serem incorporadas na sutura da pele (feita a seguir com o resto da seda), para contrariar o edema e o entrópion do pós-operatório imediato e não provocarem lesões na córnea (Fig. 9-D).1,2,6
A
B
C
D
Fig. 9 - Encerramento directo de pequenos defeitos.
B: Pontos no bordo.
C: Pontos no tarso e orbicular.
D: Aspecto final.
Cantotomia, cantolise e encerramento da margem palpebral
Em defeitos palpebrais em que não é possível um encerramento directo, procede-se à cantotomia e, se necessário, à cantolise, para permitir uma completa mobilização da porção externa da pálpebra (Fig. 10). Para a cantotomia, depois de compressão com pinça hemostática colocada horizontalmente (ligeiramente para baixo, para seguir a direcção do retalho de Tenzel invertido, se for necessário realizar) abrangendo 5 mm do canto externo, corta-se o canto externo com tesoura recta, no local da compressão prévia (Fig. 10-B). Esta cantotomia pode libertar poucos milímetros a pálpebra superior e pode não ser suficiente. Se for o caso, completa-se com a cantolise: traccionando a pálpebra superior em tenda, afastando-a do globo ocular, corta-se com tesoura o ramo superior do tendão cantal externo através da incisão da cantotomia (Fig. 10-C). Este tendão é facilmente identificado entre a pele e a conjuntiva com o vaivém da tesoura que permite sentir o tendão como corda de guitarra quando se encontra traccionado. Para uma boa mobilização é necessária a secção completa do tendão, que se confirma com facilidade quando é realizada. Esta manobra pode já permitir o encerramento sem tensão do defeito palpebral, descrito como encerramento directo. No final, o encerramento da cantotomia começa com a sutura do tendão cantal externo inferior aos tecidos subcutâneos e orbicular que vão formar o novo canto externo, com linha reabsorvível 6-0, terminando com a sutura da pele (Fig. 10-D).2,5,6
A
B
C
D
Fig. 10 - Encerramento de defeitos médios.
B: Cantotomia.
C: Cantolise.
D: Aspecto final.
2- Até 1/2 do comprimento da pálpebra:
Para um defeito de toda a espessura palpebral em que não é possível um encerramento directo, mesmo com cantotomia e cantolise, devemos sempre reconstruir as duas lamelas palpebrais: a anterior (pele e orbicular) e a posterior (tarso e conjuntiva). Para fazer esta reconstrução, uma das lamelas tem que ser responsável pelo aporte vascular que garanta a sobrevivência das duas: ou seja, uma delas, pelo menos, tem de reconstruir-se pela forma de retalho, podendo a outra ser um enxerto.
Para a pálpebra superior, e para a reconstrução da sua lamela anterior, os retalhos mais usuais podem ser: retalho de rotação da região temporal (Tenzel invertido) (Fig. 11), retalho em U ou em V-Y da região temporal (Fig.12), retalho pediculado da pálpebra superior contra-lateral, de rotação da região da glabela (Fig.13), ou pediculado da região frontal. Para os enxertos de lamela anterior, temos preferencialmente, a pele redundante da própria pálpebra superior ou da contra-lateral, pele retro ou pré-auricular, e pele da região supra-clavicular.
Para os retalhos de lamela posterior, dispomos do retalho tarso-conjuntival da pálpebra inferior homolateral. Nalguns casos de defeitos, podemos realizar alguns retalhos tarso-conjuntivais obtidos na própria pálpebra (técnica mais complexa). Para os enxertos da lamela posterior, podemos usar os enxertos livres tarso conjuntival, de palato duro, ou condro-mucoso nasal.
A escolha da técnica a usar em cada caso, vai depender da disponibilidade e características dos tecidos implicados.2
Retalho de Tenzel invertido (entre 1/3 e 1/2)
Para defeitos entre 1/3 e 1/2 do comprimento palpebral da pálpebra superior, pode ser realizado um retalho de Tenzel invertido, que é semelhante ao usado para defeitos da pálpebra inferior, mas realizado de forma invertida. Consiste numa cantotomia e catolise alargada, em que se prolonga a extensão da cantotomia traçando um retalho semi-circular de avanço/rotação.
Para a sua realização, depois da cantotomia e da cantolise já descritas, prolonga-se a incisão cutânea, desenhando um retalho semi-circular com 2 cm de diâmetro (diâmetro vertical maior que diâmetro horizontal: por ex.: 22/18 mm), de concavidade superior, (Fig. 11-A). O retalho é dissecado no plano subcutâneo (também se faz o desbridamento da conjuntiva do canto externo), é deslizado e ancorado com suturas absorvíveis profundas ao periósteo, pois a pele deve ser suturada sem tensão alguma (Fig. 11-B). A formação do novo canto é idêntica à realizada após cantotomia e cantolise (Fig. 11-C).2,4-6
A
B
C
Fig. 11 - Retalho de Tenzel invertido.
A: Desenho.
B: Cantotomia, cantolise, e desbridamento do retalho.
C: Aspecto final
Retalho em U ou em V-Y da região temporal
A
B
C
D
E
Fig. 12 - Retalhos miocutâneos de avanço em V-Y e em U.
A: Tumor (Carcinoma Sebáceo).
B: Marcação da zona a excisar e do retalho externo de avanço V-Y, e interno em U.
C: Intra-operatório e peça.
D: Pós-operatório imediato.
E: Aspecto passados 5 anos.
Retalho de rotação da região da glabela
O retalho de glabela, usado frequentemente para defeitos do canto interno e da metade interna da pálpebra superior, é desenhado em forma de V invertido, formando um ângulo de 60º, na zona da glabela, entre os supracílios. A largura da base do V cobre a altura do defeito, e a altura cobre a largura do defeito. Depois de rodado e suturado, a zona dadora é encerrada em V-Y (Fig. 13).
A
B
C
Fig. 13 - Retalhos miocutâneos de transposição - retalho da glabela.
A: Defeito provocado pela excisão do tumor e desenho do retalho da glabela.
B: Pós operatório precoce.
C: Aspecto após 7 anos.
3 - Mais de 1/2 do comprimento da pálpebra: Técnicas especiais
Enxerto tarso-conjuntival (entre 1/3 e 2/3) e retalho miocutâneo
Defeitos até 2/3 do bordo da pálpebra superior podem ser reconstruídos com enxerto tarso-conjuntival da pálpebra superior contra-lateral para a lamela posterior, sendo a lamela anterior reconstruída com retalho miocutâneo, de avanço em U/V-Y ou bipediculado, que fornece o aporte vascular para o enxerto.
Os bordos do defeito são aproximados com suavidade para determinar o tamanho necessário de enxerto a colher. Para a colheita do enxerto, depois de passado ponto de tracção de seda 4-0 sobre o a porção central do bordo palpebral, a pálpebra é evertida sobre um afastador de Desmarres, para expor a superfície tarso conjuntival. Faz-se a marcação do enxerto a colher, mantendo uma margem mínima de 4 mm de bordo palpebral intacto, para garantir a sua estabilidade e evitar entrópion ulterior. Faz-se incisão com lâmina nº 15, da conjuntiva e de toda a espessura do tarso, o que provoca um levantamento espontâneo do enxerto, que facilita muito a sua separação da aponevrose do levantador. A base restante do enxerto, é cortada da conjuntiva e músculo de Müller com tesoura recta, deixando cerca de 2 mm de conjuntiva ligada ao enxerto. A zona dadora cicatriza por segunda intenção, por vezes com reformação completa do tarso.
O enxerto tarso conjuntival colhido é colocado no local do defeito, com a superfície conjuntival em contanto com o globo, e o bordo superior do enxerto com os 2 mm de conjuntiva anexa, vai refazer o bordo palpebral. Os bordos laterais do enxerto são suturados aos bordos correspondentes adjacentes ao defeito, com sutura reabsorvível de 5-0 ou 6-0.
A lamela anterior é reconstruída com retalho miocutâneo de avanço em U/V-Y proveniente da pele superior ao canto externo (Fig. 12), ou retalho da pele da zona da restante pálpebra superior, se esta for redundante, ou na sua falta, com retalho bipediculado (Fig. 14), sendo a zona cruenta criada, coberta com enxerto livre de pele. O excesso de conjuntiva no novo bordo palpebral, é rebatido para a frente e suturado à pele do retalho miocutâneo, para evitar a queratinização bordo palpebral recém formado e lesão da córnea.4,5,7
Retalho bipediculado da região inferior ao supracílio
O retalho bipediculado de pele entre o supracílio e a pele pré-septal da pálpebra superior é muito usado para a reconstrução da lamela anterior desta pálpebra. O defeito provocado pode ser coberto com um enxerto livre de pele total (Fig.14).7
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Fig. 14 - Retalho miocutâneo bipediculado.
A: Tumor recidivado (carcinoma de células de Merkel) e indicação da zona a excisar.
B: Excisão de toda a pálpebra superior e formação de lamela posterior com retalho condro mucoso nasal.
C: Pós-operatório precoce.
D: Aspecto ao fim de 1 ano.
Técnica de Cutler-Beard
A técnica de Cutler-Beard é usada para reparação de grandes defeitos de espessura total da pálpebra superior, especialmente os centrais. É uma técnica a dois tempos, de partilha da pálpebra inferior, sem alteração do seu bordo livre. Uma porção da pálpebra inferior, inferior ao tarso, é avançada para preencher o defeito da pálpebra superior, condicionando assim encerramento da fenda palpebral, que será reaberta algumas semanas depois. É uma técnica que tem vindo a sofrer várias modificações, mas continua a ter indicação quando não há outras alternativas. Tem vantagens em relação à técnica de Abbé-Mustardé, porque aqui não é necessária reconstrução significativa da pálpebra inferior, mas tem os inconvenientes de ter de fazer oclusão ocular forçada durante várias semanas (que agrava a situação no caso de se tratar do lado de um olho único), e o resultado estético não é o melhor, porque a pálpebra superior fica sem pestanas.
Determina-se a largura do defeito da pálpebra superior, que é a medida da marcação da pálpebra inferior, com duas incisões com lâmina, verticais aos limites do defeito. Coloca-se uma sutura de tracção com seda 4-0 sobre o bordo palpebral e depois de colocar protector ocular, faz-se uma incisão cutânea horizontal 2 mm abaixo do bordo inferior do tarso (cerca de 5 mm do bordo livre da pálpebra), para manter o tarso íntegro e não lesar a arcada vascular marginal. Completar as incisões com tesoura até à espessura total (Fig. 15-A). A conjuntiva é dissecada do septo orbitário e dos retractores da pálpebra inferior, avançada e suturada com pontos separados de linha reabsorvível 6 ou 7-0 ao limite da conjuntiva e à aponevrose do levantador da pálpebra superior. Como modificação desta técnica e para remediar o inconveniente da instabilidade da pálpebra superior por inexistência de tarso, pode-se interpor um enxerto tarso conjuntival ou de cartilagem, para dar mais consistência à nova pálpebra. Desbrida-se a pele e orbicular do retalho até ao rebordo orbitário, e avança-se sob a ponte de bordo palpebral, para ser suturada à pele e orbicular superior. Não há necessidade de encerramento cutâneo da pálpebra inferior (Fig. 15-B).
Após 6-8 semanas, tempo necessário para a que os tecidos se tenham distendido, procede-se à separação das pálpebras. A pálpebra inferior é seccionada em bisel, deixando 2 mm de conjuntiva superior para além do novo bordo palpebral (para ser rebatida sobre o novo bordo e suturada à pele); a restante pálpebra inferior suturada ao bordo inferior da ponte (Fig. 15-C).
A recuperação pode ser um pouco lenta devido ao edema linfático provocado pelas profundas incisões na pálpebra inferior. Pode ser necessário algum retoque ulterior. Pode surgir ectrópion devido a desenervação da pálpebra inferior, que se corrige com tira tarsal. Pode também surgir entrópion da pálpebra superior, porque a aponevrose do elevador tende a traccionar a lamela posterior da neo pálpebra mais do que a anterior. Daí mais uma vantagem em colocar um enxerto tarso-conjuntival ou de cartilagem (Fig. 15-D).1-6,8
A
B
C
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Fig. 15 - Técnica de Cutler-Beard, para grandes defeitos da pálpebra superior.
A: Marcação das incisões.
B: Sutura do retalho de avanço sob a ponte do bordo da pálpebra inferior.
C: Abertura após 6-8 semanas.
D: Reconstrução da pálpebra inferior e aspecto final.
Técnica de Abbé-Mustardé (switch flap)
É uma técnica de reconstrução com uma só camada: com rotação de retalho de espessura total da pálpebra inferior. Técnica em dois tempos, como a técnica de Cutler-Beard, com a vantagem da pálpebra superior ficar com pestanas (em parte), com resultado estético mais natural, mas com várias desvantagens: exigir reconstrução secundária da zona dadora na pálpebra inferior, e, como em muitas técnicas de partilha palpebral, oclusão ocular durante as semanas entre cirurgias, e potencial lesão querática pela transposição do retalho.
Realiza-se um corte horizontal de espessura total na pálpebra inferior, a 5-8 mm do bordo livre, que permita altura suficiente para encerrar o defeito da pálpebra superior (no mínimo 4 mm, para incluir a arcada vascular marginal). Corte vertical desde o bordo livre à extremidade interna da incisão, formando um retalho de pálpebra inferior que inclui o bordo livre, com base no canto externo, local por onde é feito a aporte circulatório e por onde se realiza a drenagem linfática. O retalho é rodado e suturado por planos à extremidade externa do defeito da pálpebra superior. A face inferior do retalho é suturada por planos ao bordo superior do defeito. No segundo tempo, após 3-6 semanas, é seccionada a base do retalho e completa-se a sutura do retalho ao defeito da pálpebra superior, e reconstrói-se a pálpebra inferior.2,5
A
B
C
Fig. 16 - Técnica de Abbé-Mustardé.
A: Desenho do retalho.
B: Rotação e sutura.
C: Segundo tempo.
Cuidados pós-operatórios
Os cuidados pós-operatórios são os habituais das cirurgias palpebrais: penso (que não deve ser muito compressivo para não comprometer a circulação dos retalhos), pomada de antibiótico só duas vezes ao dia (para evitar maceração da pele) até à retirada dos pontos (normalmente após uma semana, ou mais, especialmente nas técnicas especiais que envolvam formação de retalhos). No caso de formação de retalhos, evitar a aplicação de gelo ou máscara térmica fria (para diminuição do edema), pois pode comprometer a sua circulação, e evitar a realização de esforços e manobras de Valsalva, para não induzir subidas tensionais. Após 4 semanas, e para melhor resultado cosmético das cicatrizes, é útil a sua massagem com pomada de vitamina E.
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Publicado:
Capítulo do Manual of ophthalmic plastic and reconstructive surgery, da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, Outubro de 2016