Adult orbital tumors

Autores: 

João Cabral, Mara Ferreira

Resumo: 
 
 
Tradução em português do capítulo do
Manual of Ophthalmic Plastic and Reconstructive Surgery
da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, Outubro de 2016
 
Tumores Orbitários no adulto
 
            Na órbita, pela grande variedade de tecidos existentes, temos também uma grande variedade de tipos de tumores possíveis. Naturalmente, este facto condiciona também uma grande diversidade de apresentações clínicas, bem como de tipos de tratamento, que incluem a cirurgia, a radioterapia, e a quimioterapia, entre outros.
            O diagnóstico é feito com base nas características clínicas. Normalmente apresentam-se com um conjunto de sinais e sintomas que sugerem uma lesão ocupando espaço na órbita, como a proptose, tropia e distopia do globo ocular, quemose, hiperémia conjuntival, alteração da motilidade ocular que pode provocar diplopia, e a baixa da acuidade visual.
            O diagnóstico é ajudado por exames de imagem, como a Ecografia (ECO), a Tomografia Computorizada (TC) e a Ressonância Magnética (RM), que permitem identificar a localização, extensão, tipo de circulação e outras características, bem como a repercussão noutras estruturas adjacentes.
            Por vezes é necessária uma biópsia (com agulha fina, por vezes guiada por TC, ou a céu aberto) para confirmar o diagnóstico.
 
            Os tumores podem ser provenientes de qualquer estrutura da órbita (vasos sanguíneos, gordura, fibras nervosas, glândula lacrimal, tecido conjuntivo ou osso).
            Uma classificação simples e útil dos tumores da órbita é a que é feita entre tumores benignos (mais frequentes) e malignos. Os tumores benignos, apesar de histologicamente benignos, pela sua localização e dimensões, podem comprometer a função visual e necessitar de tratamento atempado. Os tumores benignos da órbita mais frequentes no adulto são o hemangioma cavernoso, os tumores da glândula lacrimal, e o neurilemoma. Os tumores malignos da órbita no adulto são pouco frequentes, e podem ser primários ou secundários a outros tumores das proximidades (seios peri-nasais, intra-cranianos), ou à distância (metástases). O tumor maligno primitivo da órbita mais frequente no adulto, é o linfoma não Hodgkin.
            Outra classificação dos tumores orbitários baseia-se no tipo de origem: quísticos, vasculares, linfoproliferativos, inflamatórios, mesenquimatosos, neurogénicos, da glândula lacrimal, tumores secundários e metastáticos. É esta classificação que vamos seguir.
 
 
 
1- Tumores orbitários quísticos  
 
            Não sendo tumores propriamente ditos, os quistos podem assemelhar-se a eles, pois comportam-se também como uma lesão ocupando espaço. O verdadeiro quisto consiste numa parede revestida interiormente por um epitélio secretor. A maioria dos quistos da órbita são benignos. Estas lesões derivam de anomalias do desenvolvimento, dos seios peri-nasais ou do crânio.
 
Quistos congénitos
            O quisto congénito mais frequente é o dermóide (ou epidermóide, se na parede não há tecidos provenientes da derme). São os coristomas mais frequentes na criança. Resultam do encarceramento de estruturas epiteliais nas suturas ósseas fetais (mais frequente na fronto-zigomática). Têm no seu interior matérias gordurosas, queratina e estruturas dérmicas, como folículos pilosos que frequentemente se vêem através da cápsula. Podem ser divididos em superficiais e profundos, consoante se situem à frente ou atrás do septo orbitário. Apesar de ser congénito, pode só se tornar visível durante o 1º ano de vida. Se profundos, podem só aparecer na infância ou idade adulta (Fig. 1 e 2). Apresentam-se como massa quística, mais facilmente palpável quanto mais anterior, mais frequente sobre o rebordo orbitário supero externo (induzindo a característica deformação palpebral em S itálico), sem sinais inflamatórios, a não ser que tenham tido uma rotura, e induzido reacção de corpo estranho à queratina. As imagens de TC e RM revelam a localização e as dimensões do quisto, de paredes bem definidas e frequentemente de conteúdo heterogéneo. O tratamento é habitualmente cirúrgico, e há que remover toda a cápsula (se possível, intacta), pois um pequeno resquício de epitélio secretor, pode originar um novo quisto.
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Fig. 1 - Quisto dermóide do quadrante supero externo da órbita direita, de um homem de 56 anos de idade.
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Fig. 2 - TC do mesmo quisto dermóide, em que se observa o seu conteúdo heterogéneo e a deformação que provoca no pilar externo da órbita.
 
            Outro tipo de tumor congénito quístico da órbita é o teratoma. Por definição, contém tecidos derivados das três camadas germinativas (ecto, meso e endoderme). Assim, podem conter pele, tecido intestinal, pulmonar, cerebral, tiroideu, cartilaginoso e ósseo. São normalmente unilaterais e mais frequentes no sexo feminino. Como os dermóides, aumenta de dimensões pela acumulação de secreções no seu interior (Fig 3 e 4).
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Fig. 3 - Teratoma da órbita esquerda, com importante proptose e desvio superior e externo do globo ocular, numa rapariga de 14 anos de idade.
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Fig. 4 - O mesmo teratoma, em RM, com origem no vértice da órbita, empurrando e deformando o globo ocular, e aspecto do seu interior, em que se observam duas peças dentárias e outros tecidos.
 
Quistos adquiridos
            Os quistos adquiridos podem ter várias origens: “quistos de chocolateˮ (quando os quistos do linfangioma são preenchidos com sangre decomposto), outros “quistos hemorrágicosˮ, quistos da glândula lacrimal (quando há obstrução de um canal excretor), quistos parasitários, etc.. Quistos sudoríferos ou conjuntivais, quando de grandes dimensões, podem dar o aspecto de ter origem orbitária. Os quistos podem também ser provenientes da expansão de mucocelos dos seios peri-nasais adjacentes.
 
            O tratamento dos quistos da órbita é cirúrgico, e está indicado quando adquire tamanho significativo. A remoção deve ser completa, sempre que possível sem rotura, para evitar inflamação local e possível recidiva.
 
 
2- Tumores orbitários vasculares  
 
            As lesões vasculares são a causa de tumor mais frequente nos adultos (hemangioma cavernoso e hemangiopericitoma, variz e outras alterações arterio-venosas).
 
Hemangioma cavernoso
            O hemangioma cavernoso é o tumor vascular da órbita mais frequente no adulto (em 70% dos casos ocorre em mulheres). Normalmente é único, e não associado a doença sistémica. Como a localização mais frequente é o espaço cónico entre os músculos óculo-motores, normalmente manifesta-se por uma proptose axial, sem dor ou sinais inflamatórios, e por ser de evolução muito lenta (anos), não surge diplopia (o lento crescimento permite adaptação dos músculos óculo-motores), mas é frequente a hipermetropização, por empurramento do pólo posterior, e as pregas da coroideia na fundoscopia. É um tumor de forma globosa, de limites bem definidos, de consistência elástica, pois está formado por múltiplas cavernas preenchidas com sangue, adquirindo aspecto esponjoso (Fig. 5 e 6). Quando é pequeno, frequentemente é diagnosticado por acaso, numa TC ou RM realizada por outro motivo. O tratamento é cirúrgico, e está indicado quando houver repercussão clínica.
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Fig. 5 - Volumoso hemangioma cavernoso intra-cónico da órbita esquerda, condicionando proptose ligeira, mas não diplopia, numa mulher de 56 anos de idade.
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Fig. 6 - O mesmo hemangioma cavernoso em RM.
 
Linfangioma
            O linfangioma é considerado por alguns, um coristoma da órbita, porque na órbita normalmente não há nódulos, folículos ou canais linfáticos, que são a origem destes tumores. Podem ser circunscritos à órbita, ou estender-se pela conjuntiva, pálpebras, ou tecidos peri-orbitários. Normalmente começa a dar sintomas na primeira década de vida, e frequentemente estão presentes no nascimento. Por vezes é detectado mais tarde, após traumatismo ou hemorragia. Por envolver as várias estruturas orbitárias (músculos, nervo óptico), pode dar limitação dos movimentos oculares, com proptose, ptose, ou como uma massa flutuante palpável, elástica, pois os canais linfáticos estão cheios de linfa (Fig 7 e 8). Espontaneamente ou após traumatismo ou episódio viral, estes canais podem-se encher de sangue (formando os “quistos de chocolateˮ), provocando uma proptose aguda, que pode comprometer a visão pela possível compressão do globo ocular ou do nervo óptico. O tratamento é complexo, pois se a cirurgia pode ser viável nos tumores circunscritos, ela é muito limitada nos tumores difusos. Para estes casos, têm-se tentado outras abordagens terapêuticas.
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Fig. 7 - Volumoso linfangioma da órbita direita, inferior e interno, com marcado desvio ocular para cima e para fora, numa mulher de 25 anos de idade.
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Fig. 8 - TC do mesmo linfangioma, e a peça operatória.
 
            Ao contrário dos hemangiomas capilares da criança, estes tumores não têm tendência para involuir espontaneamente.
            O tratamento é cirúrgico, e está indicado quando houver repercussão clínica. Por envolver várias estruturas nobres da órbita, a sua remoção total muitas vezes não é possível. Se há compressão súbita do globo ocular, pode requerer descompressão urgente, para evitar perdas de visão.
 
 
3- Tumores orbitários linfoproliferativos
 
            Os tumores linfoproliferativos formam um grande conjunto de lesões histiocitárias, hematológicas e linfoproliferativas que têm um largo espectro, desde a lesão linfoproliferativa reactiva benigna, passando pelo linfoma linfático pequeno e linfoma folicular (linfomas de baixo grau, ou indolentes), pelo linfoma de células do manto (mais agressivo), até ao linfoma muito indiferenciado, mais maligno. É o caso do linfoma de Hodgkin, que tem fases de agressividade crescente, e normalmente com apresentação também extra-orbitária.
            Na órbita, o linfoma mais frequente é o não Hodgkin B, que é também o tumor maligno mais frequente da órbita do adulto. Clinicamente, os linfomas são difíceis de diferenciar, exigindo sempre uma boa biópsia e estudo por citometria e imuno-histoquímica. O linfoma ocorre principalmente em doentes mais idosos. Apresenta-se como uma massa orbitária de crescimento lento e insidioso, por vezes durante anos, frequentemente palpável através da pálpebra, indolor, de consistência firme, frequentemente originando ptose mecânica (Fig. 9 e 10). É o tumor orbitário que se apresenta mais frequentemente por massa palpebral palpável, o que reflecte a tendência destes tumores moles se estenderem ao longo dos planos de fáscias da órbita anterior, músculos óculo-motores e globo ocular, em vez de formar uma massa isolada circunscrita na órbita posterior. Assim, os tumores tendem a assumir a conformação do espaço em que crescem.
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Fig. 9 - Linfoma B da órbita esquerda, da região da glândula lacrimal, que desvia o globo ocular para baixo e para dentro, numa mulher de 66 anos de idade.
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Fig. 10 - O mesmo linfoma. A TC revela massa que infiltra a órbita e as pálpebras, envolvendo o globo ocular mas sem o deformar.
 
            Pode ser observado também como massa sub-conjuntival na superfície do globo, de cor de salmão, frequentemente a única porção visível de uma massa que se estende até ao espaço intra-cónico (Fig. 11).
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Fig. 11 - Linfoma B da zona marginal, principalmente com envolvimento sub-conjuntival, (que provoca ligeira ptose) com a característica cor de salmão, numa mulher de 50 anos de idade.
 
            O tratamento varia de acordo com a agressividade do tumor, podendo passar pela radioterapia e quimioterapia. A cirurgia isolada, raramente é efectiva em evitar recidivas.
 
4- Tumores orbitários inflamatórios
 
            A doença inflamatória da órbita (antes chamada pseudo-tumor inflamatório e inflamação idiopática da órbita) compreende um largo leque de patologias que podem ser classificadas em específicas (com causa conhecida) e inespecíficas (sem causa conhecida). A inflamação inespecífica é definida como um infiltrado linfóide polimorfo benigno, com vários graus de fibrose, sem causa local ou sistémica conhecida. Só se pode chegar a este diagnóstico, depois de eliminar todas as possíveis causas específicas.
            Patogenicamente, pensa-se ser de origem imunitária, pois frequentemente se encontra associada a doenças imunológicas específicas (doença de Crohn, lupus eritematoso disseminado, artrite reumatóide, diabetes melitus, miastenia gravis e espondilite anquilosante), e costuma responder bem à corticoterapia sistémica, e a outros imuno-modeladores, como a ciclofosfamida, metotrexato e ciclosporina, indicando um mecanismo de imunidade celular. Foram também propostas outras teorias, como a pós-infecciosa (normalmente das vias aéreas superiores) e pós-traumática (especialmente em crianças).
            São mais frequentes nos adultos, e têm muitas formas de apresentação clínica, que frequentemente orientam para um processo inflamatório em local determinado. Podem ser miosítica, da glândula lacrimal, da órbita anterior, apical ou difusa (Fig. 12 e 13). Cada localização vai induzir sintomas e sinais correspondentes à localização da inflamação. Pode ter início agudo (dias), sub-agudo (dias a semanas) e crónico (semanas a meses). O mais frequente é o agudo, com dor, hiperémia, edema palpebral, quemose e proptose. Pode haver inflamação ocular simultânea (uveíte, papilite, descolamento de retina exsudativo).
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Fig. 12 - Tumor esclerosante difuso da órbita direita, condicionando sindroma do ápex, com dor, ptose, oftalmoplegia, e amaurose, numa mulher de 41 anos de idade.
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Fig. 13 - O mesmo tumor esclerosante, ocupando quase a totalidade da órbita, comprimindo as suas estruturas, com repercussão no edema do disco óptico.
 
 
5- Tumores orbitários mesenquimatosos  
 
            Os tumores mesenquimatosos são provenientes de muitos tipos de tecidos, e na órbita, por estarem presentes praticamente todos os tecidos mesenquimatosos do organismo, também podemos encontrar quase a totalidade dos tumores mesenquimatosos que ocorrem no restante organismo.
 
Histiocitoma fibroso
            O histiocitoma fibroso é um dos tumores mesenquimatosos primários mais frequentes no adulto. Tem um nome descritivo, composto de células que se assemelham a fibroblastos e histiocitos normais, mas de proveniência ainda não está totalmente esclarecida. Pode ser difícil de diferenciar do tumor fibroso. Pode degenerar numa forma “malignaˮ. É mais frequente a partir da quinta década de vida (Fig. 14 e 15). É um tumor bem delimitado, de consistência firme, lobulado, variando a cor de branco acinzentado (se predomina o componente fibroso) a amarelada (se predomina o componente histiocitário). Após excisão aparentemente total, pode recidivar.
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Fig. 14 - Histiocitoma fibroso da órbita direita, que provoca grande desvio do globo ocular para cima e para fora, quemose marcada, pela dificuldade do retorno venoso que provoca, numa mulher de 52 anos de idade.
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Fig. 15 - Imagens RM do mesmo histiocitoma fibroso.
 
Tumor fibroso solitário
            O tumor fibroso solitário da órbita (anteriormente descrito como mesotelioma fibroso com base pleural) é mais frequente no espaço extra-cónico, frequentemente anterior, e pode adquirir grandes dimensões (Fig. 16 e 17). Por ter um crescimento lento, pode não chegar a dar diplopia. É um tumor bem delimitado, de cor acinzentada, que quando removido na totalidade, não recidiva.
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Fig. 16 - Tumor fibroso solitário da órbita direita, que provoca grande desvio do globo ocular para fora e para baixo, numa mulher de 64 anos de idade.
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Fig. 17 - Imagens RM do mesmo tumor fibroso solitário, em que se pode observar a deformação do etmóide, provocada pela longa evolução (anos).
 
Displasia Fibrosa
            A displasia fibrosa é uma lesão benigna de causa desconhecida, que se caracteriza pela presença de tecido conjuntivo fibroso num padrão de osso imaturo. Não é considerada verdadeira neoplasia e surge na adolescência, mas continua a progredir na vida adulta. A sintomatologia depende do local do efeito de massa. Inicialmente não há compressão do nervo óptico, mantendo a acuidade visual. Como é de esperar, o tratamento é complexo, podendo passar pelo tratamento médico (fig. 18 e 19).
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Fig. 18 - Displasia fibrosa da órbita esquerda, numa mulher de 17 anos de idade.
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Fig. 19 - A mesma displasia fibrosa em imagens de TC em janela de osso, que evidenciam envolvimento do etmóide, esfenóide e frontal.
 
Osteoma
            O osteoma é um tumor ósseo, que pode ser esponjoso ou cortical, mas também tem um pequeno componente de partes moles, que é o  responsável pelo seu crescimento. Na órbita, o local de origem por ordem de frequência é o osso frontal (50%), etmóide (40%), maxilar (6%) e esfenóide (3%). A localização e as dimensões vão condicionar a apresentação clínica, que é principalmente o desvio do globo ocular (Fig. 20 e 21). O  tratamento é cirúrgico.
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Fig. 20 - Osteoma do pavimento da órbita esquerda, provocando desvio do globo para cima e para fora, numa mulher de 22 anos de idade.
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Fig. 21 - TC do mesmo osteoma, localizado na metade interna do pavimento.
 
Lipoma
            Apesar de ser o tumor mesenquimatoso mais frequente, o lipoma da órbita é relativamente pouco frequente. Ocorre normalmente em pessoas idosas, em que há crescimento do tecido adiposo presente na órbita, por vezes em combinação com outros tipos de tecidos. Como o crescimento é muito lento, e por não afectar inicialmente a acuidade visual, pode chegar a ter grandes dimensões (Fig. 22 e 23). Nas fases iniciais, pode ser confundido com o prolapso sub-conjuntival da gordura orbitária, que é frequente encontrar nos obesos.
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Fig. 22 - Volumoso lipoma da órbita esquerda, condicionando um grande desvio externo, inferior e anterior, num homem de 80 anos de idade.
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Fig. 23 - O mesmo lipoma em RM, que preenche a totalidade da órbita, e provoca grande estiramento do nervo óptico.
 
            Outros tumores orbitários mesenquimatosos também pouco frequentes são o fibroma e o histiocitoma.
 
 
6- Tumores orbitários neurogénicos  
 
Neurilemoma
            O neurilemoma (ou schwannoma) é um tumor benigno, encapsulado, proveniente das células de Schwann que embainham os nervos periféricos. Pode ser primitivo da órbita, ou chegar a ela por extensão de um nervo adjacente. Clinicamente muito semelhante ao tumor fibroso solitário da órbita, habitualmente produzem uma proptose e desvio do globo ocular, segundo a sua localização (Fig. 24 e 25). Apesar de ser originário da bainha do nervo, não causa dor. Ao contrário do neurofibroma, o neurilemoma solitário não está habitualmente associado à neurofibromatose. Os exames de imagem revelam tumor sólido ou alongado, normalmente fora do cone muscular, e ao longo do trajecto dos nervos supra-orbitário ou supra-troclear, e por vezes, do infra-orbitário. É bem delimitado, envolto em cápsula forte, de cor clara. O tratamento é cirúrgico.
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Fig. 24 - Neurilemoma da órbita direita, provocando proptose moderada, numa mulher de 72 anos de idade.
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Fig. 25 - O mesmo neurilemoma, na TC, com imagem nodular, bem delimitada, no quadrante temporal inferior.
 
Neurofibroma
            O neurofibroma é um tumor benigno originário dos nervos periféricos. Pode ser classificado em localizado, difuso ou plexiforme. O localizado pode ser clínica e imagiologicamente semelhante ao neurilemoma, e está associado à neurofibromatose tipo I (NF1) em 10% dos casos, enquanto que o difuso tem uma associação variável, e o plexiforme está quase sempre associado. Em 10 a 15% dos casos está associado ao glioma do nervo óptico. Clinicamente surge como espessamento ou tumefacção no terço externo da pálpebra superior (que condiciona ptose), que tem palpação característica de cordões, em “saco de vermesˮ (Fig. 26). O tratamento é cirúrgico, e frequentemente é complicado, devido à tendência hemorrágica, especialmente no caso do tipo plexiforme.
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Fig. 26 - Neurofibroma plexiforme da órbita esquerda com envolvimento palpebral, numa mulher de 26 anos de idade.
 
Astrocitoma pilocítico
            O astrocitoma pilocítico é um tumor da células gliais (astrocitos) que suportam a substância branca do cérebro e o nervo óptico. 70% dos casos surge na primeira década de vida, adquirindo o nome de astrocitoma pilocítico juvenil, ou glioma. Destes, 30% estão associados a neurofibromatose. A clínica é a de uma proptose indolor, com compromisso visual e alteração da motilidade variáveis.
            Menos frequentemente, podem surgir na idade adulta (Fig. 27 e 28), tendo o nome de apenas astrocitoma pilocítico, ou se degenerar, de astriocitoma anaplásico infiltrativo.
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Fig. 27 - Astrocitoma pilocítico do nervo óptico direito, que condiciona proptose e desvio externo e inferior, numa mulher de 71 anos de idade.
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Fig. 28 - O mesmo astrocitoma, em RM, envolvendo todo o nervo óptico, mesmo na sua porção intra-canalar.
 
Meningioma
            O meningioma é um tumor benigno derivado da camada aracnoideia das meninges, que frequentemente afecta a órbita, quer com origem nas bainhas do nervo óptico, quer na grande asa do esfenóide (onde frequentemente origina o meningioma em placa). 80% dos casos ocorre em mulheres em idade adulta. Quando localizado ao nervo óptico, pode condicionar baixa da acuidade visual, edema ou atrofia do disco óptico, frequentemente com shunt vascular corio-retiniano na margem do disco óptico. Apesar de benigno, pode apresentar uma forma clinicamente agressiva. Nos exames de imagem, pode-se ver um espessamento das bainhas, por vezes calcificada, mantendo o nervo óptico dimensões normais, por vezes com formação do “sinal do duplo carrilˮ na RM (Fig. 29). Nos casos assintomáticos, pode-se fazer apenas vigilância, medição da acuidade visual, determinação dos reflexos pupilares, campimetria, e RM. Se é detectado crescimento ou repercussão oftalmológica, pode pensar-se em tratamento com radiação estereotáxica, estando a cirurgia indicada apenas nos casos extremos e com perda da função visual.
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Fig. 29 - Meningioma da bainha do nervo óptico direito, em TC e RM, com “sinal de duplo carrilˮ por captação de contraste, numa mulher de 55 anos de idade.
 
7- Tumores da glândula lacrimal  
 
            Cerca de 10% das lesões ocupando espaço na órbita são originadas na glândula lacrimal (GL). Sendo a GL o único sitio da órbita onde encontramos tecido epitelial, é natural que a maioria das neoplasias epiteliais primitivas da órbita tenham origem na GL. No entanto, dos tumores da GL, só 20% são epiteliais (adenoma pleomórfico e adenocarcinoma), sendo os restantes 80% não epiteliais (doenças linfoproliferativas, inflamatórias e outras). Dos tumores epiteliais, 55% são benignos e 45% malignos. Os tumores benignos e os linfomas são habitualmente indolores, enquanto que os tumores malignos e as inflamações causam dor. A duração dos sintomas na altura do diagnóstico pode ajudar na diferenciação destes tumores: meses nos malignos, e vários anos nos benignos. Nos exames de imagem, os tumores benignos podem deformar o osso, mas não o invadem ou destroem, como no caso dos malignos.
 
Adenoma pleomórfico da glândula lacrimal
            O adenoma pleomórfico (antes chamado tumor benigno misto) é o tumor epitelial mais frequente da GL. A maioria surge do lobo orbitário desta glândula. Ocorre normalmente em adultos jovens. Tem um crescimento lento, e provoca um desvio do globo ocular para diante, para baixo e para dentro, a não ser que o tumor cresça tanto para  dentro, que desvie o globo para fora (Fig. 30). Se originário no lobo palpebral (mais raro), não provoca proptose e palpa-se como uma massa dura e indolor no quadrante supero-externo da órbita. Os exames de imagem mostram tumor esférico ou ovóide na região da fossa da GL, por vezes bosselado (Fig. 31). Histologicamente, é composto por um mistura de tecido epitelial e tecido mesenquimatoso (daí o nome de tumor misto). O tratamento é cirúrgico. Deve remover-se todo o tumor com a sua cápsula, pois se ficam restos, pode recidivar e mesmo malignizar.
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Fig. 30 - Volumoso adenoma pleomórfico da glândula lacrimal esquerda, que provoca desvio do globo ocular para diante, para baixo e para fora, num homem de 29 anos de idade.
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Fig. 31 - RM do mesmo adenoma pleomórfico, mostrando as suas dimensões, contorno, heterogeneidade, deformação do globo, e moldagem nas não invasão óssea.
 
Adenocarcinoma da glândula lacrimal
            O adenocarcinoma é o tumor epitelial maligno primitivo mais frequente da GL. É um tumor muito agressivo, e a clínica é semelhante à do adenoma pleomórfico e à do carcinoma adenóide quístico, mas aparece em pessoas mais idosas do que o adenoma pleomórfico. O crescimento é mais rápido e provoca dor, quando atinge os nervos e a periórbita, podendo neste caso também provocar hipostesia do território periocular ipsilateral (Fig. 32 e 33). Quando ainda pequeno e limitado por cápsula, a excisão completa pode ser curativa. Mas se já atinge o osso, para além da remoção do osso atingido, por vezes é necessária a exenteração orbitária, que muitas vezes não é curativa, pois pode recidivar e metastizar com facilidade, frequentemente por via linfática.
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Fig. 32 - Adenocarcinoma da glândula lacrimal direita, numa mulher de 84 anos de idade.
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Fig. 33 - RM do mesmo adenocarcinoma da glândula lacrimal, já com invasão e destruição óssea adjacente.
 
8- Tumores orbitários secundários 
 
            Os tumores orbitários secundários, são neoplasias que invadem a órbita, mas com origem nas estruturas extra-orbitárias adjacentes (como a pálpebra, a conjuntiva, os seios peri-nasais e o cérebro), ou nos tecidos intra-oculares. Como um grupo, estas neoplasias secundárias são três vezes mais frequentes na órbita do que as neoplasias primárias, quase sempre da glândula lacrimal. Diferenciam-se dos tumores metastáticos, em que a lesão original se encontra longe da órbita e a atinge por via hematogénea ou neuronal.
            Os principais tumores das pálpebras que invadem secundariamente a órbita são o carcinoma pavimento-celular (CPC) mais frequente (Fig. 34 e 35), o carcinoma baso-celular (CBC) principalmente o palpebral do canto interno, o melanoma cutâneo, e o carcinoma de células de Merkel. Os tumores conjuntivais que invadem a órbita mais frequentes são o melanoma, o CPC (principalmente as variantes muco-epidermoide). Dos seios peri-nasais, são principalmente o CPC, e dos intra-cranianos, o meningioma da grande asa do esfenóide. Dos tumores intra-oculares que invadem a órbita, temos o melanoma da úvea (e o retinoblastoma na criança).
            A clínica vai depender do tipo e da localização primária do tumor. Frequentemente há história de cirurgia anterior a tumor periorbitário (especialmente nos tumores da pálpebra, conjuntiva, saco lacrimal, seios peri-nasais e tumores intra-cranianos). Nos tumores dos seios peri-nasais e da grande asa do esfenóide, os sintomas e sinais orbitários são frequentemente os primeiros a manifestar-se.
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Fig. 34 - Carcinoma pavimento-celular do etmóide com invasão da órbita direita, provocando desvio externo do globo ocular, num homem de 68 anos de idade.
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Fig. 35 - TC do mesmo carcinoma.
 
Mucocelo
            Apesar de não se tratar de um tumor propriamente dito, o mucocelo pode assemelhar-se a um tumor, pois comporta-se também como uma lesão ocupando espaço. É o “tumor secundárioˮ mais frequente do  adulto. Frequentemente há história de sinusite crónica. Provém da extensão orbitária de um mucocelo dos seios peri-nasais (frontal, o mais frequente, etmoidários, esfenoidal ou maxilar, o menos frequente). Pode infectar, e formar o muco-piocelo. A maioria são palpáveis, e produzem uma proptose, que pode ser acentuada pela acumulação de secreções no seu interior (Fig. 36 e 37). O tratamento é cirúrgico (drenagem e arejamento do seio perinasal envolvido), e normalmente está indicado se houver repercussão clínica.
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Fig. 36 - Mucocelo maxilar com invasão da órbita esquerda, provocando desvio do globo ocular para cima.
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Fig. 37 - TC do mesmo mucocelo.
 
9- Tumores orbitários metastáticos
 
            Muitos são os tumores que podem metastizar para a órbita por via hematogénea. Nos adultos, e por ordem de frequência, encontram-se os carcinomas da mama, do pulmão, da próstata, e do rim. As metástases vão-se alojar nos tecidos mais vascularizados. As metástases de carcinomas da mama e do pulmão, são principalmente para os tecidos moles, enquanto que as do carcinoma da próstata, são para o tecido ósseo, e por isso podem dar dor mais cedo. Aqui, a lesão óssea é normalmente osteoblástica, mas também pode ser osteolítica. A maioria (cerca de 80%) tem história conhecida de neoplasia. A clínica vai depender do tipo de tumor e da localização, mas classicamente apresentam-se com início de ptose, proptose e desvio do globo ocular, diplopia, quemose e edema palpebral. A dor surge normalmente quando começa a destruição óssea. Se a dor estiver associada a baixa da acuidade visual, normalmente é indicativo de invasão do vértice da órbita. O tratamento vai depender muito do tipo e da forma de tratar a neoplasia primitiva.
 
 
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Publicado: 
Capítulo do Manual of ophthalmic plastic and reconstructive surgery, da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, Outubro de 2016